quinta-feira, 3 de setembro de 2015

REVERENCE VALADA 2015: A Crónica de Sábado!

A serenidade da madrugada de sábado era interrompida pelos fechos-éclairs das tendas. O dia começava a aquecer e prolongar a permanência no interior da tenda adjectivava-se um perfeito suplício. Também eu evacuei a minha e fiquei alguns instantes paralisado, de pálpebras cerradas e narinas dilatadas, a contemplar a paz que reinava no parque. De destacar que esta edição do Reverence foi mesmo uma das experiências mais positivas em festivais de música no que ao capítulo do ruído dos campistas diz respeito. Era demasiado fácil adormecer embalado pelos últimos acordes que nos chegavam do recinto do festival, e só mesmo a claridade e o aumento da temperatura capazes de nos fazer despertar quando a amanhã ainda bocejava. Havíamos combinado passar algum tempo para lá das “muralhas” do Reverence e divagar pelas ruas da freguesia de Valada, e assim fizemos. Já muitos festivaleiros se refrescavam e espevitavam debaixo dos chuveiros públicos presentes no parque, enquanto outros enfiavam as suas cabeças no exterior das tendas e respiravam os frescos e revitalizantes ares da manhã. Todo o parque acordava e se preparava para o derradeiro dia do Reverence. Para lá dos domínios do festival, a freguesia de Valada testemunhava de braços caídos o “assalto” dos festivaleiros aos seus comércios mais atractivos (como bares e restaurantes). No regresso já era visível a crescente peregrinação até ao recinto do festival. Os primeiros concertos da tarde de sábado estavam quase a começar.


18h00 | Samsara Blues Experiment | Palco Rio

Era a terceira vez que comungava SBE ao vivo, mas o meu coração comportava-se como se da primeira vez se tratasse. A banda germânica (agora em formato de power-trio) subia ao palco Rio quando ainda a plateia se condensava e dava início à sua característica descarga de Heavy Psych (que raras vezes não se desenvolve para os trilhos Doom'escos) que não deixa ninguém indiferente. Desde o dia em que me cruzei com eles que SBE são uma das minhas bandas favoritas e, portanto, uma das que mais mexe comigo. Confesso sentir alguma dificuldade em lidar com toda aquela injecção de adrenalina transpirada pelos seus instrumentos, e o concerto no Reverence não foi excepção. A plateia crescia e agitava os pescoços numa harmoniosa sintonia, enquanto que em palco os SBE provavam merecer um lugar de destaque no palco Reverence. Foi uma performance estarrecedora e entusiástica que inflamou todos os seus fiéis, deixando-os de pálpebras semicerradas e corpos inanimados.


23h30 | Amon Düül II | Palco Reverence

Depois de presenciarmos Hawkwind na estreante edição, o Reverence apostava – agora na 2ª edição – no Krautrock de Amon Düül II (habituando os seus seguidores à presença de uma banda de inquestionável destaque na musicalidade setentista em cada uma das suas edições). Esta “orquestra” dedicada ao Krautrock e ao Prog Rock repescada da Alemanha setentista abrilhantou o Reverence com a sua musicalidade de orientação onírica. De manta estendida na relva e corpos nela deitados, vivenciámos esta longa e fantasiosa odisseia promovida por Amon Düül II. Recordo-me de atentar o firmamento estelar enquanto as nuvens desobstruíam lentamente o meu campo de visão e pensar: “que sensação tão prazerosa deixar-me levitar pelo oceano cósmico ao som do melhor Krautrock.”. Deixei-me de tal forma embebedar pela ambiência que me envolvia, que adormeci na ponta final do concerto. Acordei perante um ruidoso aplauso da plateia enquanto os Amon Düül II nos agradeciam em alongadas vénias.


02h00 | Electric Moon | Palco Rio

É justo antecipar-me e enunciar que Sleep e Electric Moon foram os dois melhores concertos do festival (a meu ver, é claro). Dizer também que já esperava uma performance monstruosa deste power-trio alemão, mas o que acabou por acontecer em palco rasgou e ultrapassou as costuras das mais positivas expectativas que lhes dedicara no pré-concerto. Ainda a tenta encontrar o lúcido equilíbrio depois de no concerto de Amon Düül II ter adormecido de sorriso talhado no rosto, Electric Moon revelou-se uma das mais incisivas e admiráveis viagens espirituais que me recordo de testemunhar. Foi debaixo de uma imponente e fulgurante lua cheia, que os Electric Moon rapidamente nos seduziram com as suas jams profundamente narcotizantes. A plateia dançava efusivamente e vivia-se um clima homogéneo de bem-estar. O baixo pulsante e hipnótico de Komet Lulu, a guitarra indomável e vertiginosa de Sula Bassana, e a bateria tanto contemplativa quanto explosiva de Marcus catapultaram-nos para o lado eclipsado da lua. Electric Moon foi uma crescente cavalgada que culminou na perfeita sedação das nossas consciências. Respirou-se a extasiante ataraxia. No final do concerto, a plateia sedenta de algo assim estava incrédula com o que havia presenciado em Electric Moon. Uma verdadeira erupção de prazer que nos afectou e elevou ao fustigado solo lunar. Um dos grandes concertos da minha vida.


No regresso à tenda as nossas bocas caladas gritavam o quão compensadora fora aquela 2ª edição do Reverence. Caminhávamos petrificados pela inolvidável experiência de ter vivenciado algumas das nossas bandas favoritas em tão pouco tempo. Longa e gloriosa vida ao Reverence, pois Portugal precisa de um festival assim.

1 comentário:

Anónimo disse...

Fico feliz por saber que alguém partilhou o mesmo sentimento que eu nessa noite.
Obrigado por estas palavras.